quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Anotações sobre um amor urbano

Caio Fernando Abreu, de novo!




Anotações sobre um amor urbano

Em memória de Paulo Yutaka



Te amo como as begônias tarântulas amam seus congêneres;
como as serpentes se amam enroscadas lentas algumas muito verdes outras escuras,
a cruz na testa lerdas prenhes, dessa agudez que me rode ia,
te amo ainda que isso te fulmine
ou que um soco na minha cara me faça menos osso e mais verdade.
(Hilda Hilst: Lucas, Naim)


Desculpa, digo, mas se eu não tocar você agora vou perder toda a naturalidade, não conseguirei dizer mais nada, não tenho culpa, estou apenas sentindo sem controle, não me entenda mal, não me entenda bem, é só esta vontade quase simples de estender o braço para tocar você, faz tempo demais que estamos aqui parados conversando nesta janela, já dissemos tudo que pode ser dito entre duas pessoas que estão tentando se conhecer, tenho a sensação impressão ilusão de que nos compreendemos, agora só preciso estender o braço e, com a ponta dos meus dedos, tocar você, natural que seja assim: o toque, depois da compreensão que conseguimos, e agora.
Não diz nada, você não diz nada. Apenas olha para mim, sorri. Quanto tempo dura? Faz pouco despencou uma estrela e fizemos, ao mesmo tempo e em silêncio, um pedido, dois pedidos. Pedi para saber tocálo. Você não me conta seus desejos. Sorri com os olhos, com a mesma boca que mais tarde, um dia, depois daqui, poderá me dizer: não. Há uma espécie de heroísmo então quando estendo o braço, alongo as mãos, abro os dedos e brota. Toco. Perto da minha a boca se entreabre lenta, úmida, cigarro, chiclete, conhaque, vermelha, os dentes se chocam, leve ruído, as línguas se misturam. Naufrago em tua boca, esqueço, mastigo tua saliva, afundo. Escuridão e umidade, calor rijo do teu corpo contra a minha coxa, calor rijo do meu corpo contra a tua coxa. Amanhã não sei, não sabemos.
Pensei em você. Eram exatamente três da tarde quando pensei em você. Sei porque sacudi a cabeça como se você fosse uma tontura dentro dela e olhei o digital no meio da avenida.
Corre, corre. O número do telefone dissolvendo-se em tinta na palma da mão suada. Ah, no fim destes dias crispados de início de primavera, entre os engarrafamentos de trânsito, as pessoas enlouquecidas e a paranóia à solta pela cidade, no fim destes dias encontrar você que me sorri, que me abre os braços, que me abençoa e passa a mão na minha cara marcada, no que resta de cabelos na minha cabeça confusa, que me olha no olho e me permite mergulhar no fundo quente da curva do teu ombro. Mergulho no cheiro que não defino, você me embala dentro dos seus braços, você cobre com a boca meus ouvidos entupidos de buzinas, versos interrompidos, escapamentos abertos, tilintar de telefones, máquinas de escrever, ruídos eletrônicos, britadeiras de concreto, e você me beija e você me aperta e você me leva para Creta, Mikonos, Rodes, Patmos, Delos, e você me aquieta repetindo que está tudo bem, tudo, tudo bem. O telefone toca três vezes. Isto é uma gravação deixe seu nome e telefone depois do bip que eu ligo assim que puder, 0K?
O cheiro do teu corpo persiste no meu durante dias. Não tomo banho. Guardo, preservo, cheiro o cheiro do teu cheiro grudado no meu. E basta fechar os olhos para naufragar outra vez e cada vez mais fundo na tua boca. Abismos marinhos, sargaços. Minhas mãos escorrem pelo teu peito. Gramados batidos de sol, poços claros. Alguma coisa então pára, todas as coisas param. Os automóveis nas ruas, os relógios nas paredes, as pessoas nas casas, as estrelas que não conseguimos ver aqui do fundo da cidade escura. Olho no poço do teu olho escuro, meia-noite em ponto. Quero fazer um feitiço para que nada mais volte a andar. Quero ficar assim, no parado. Sei com medo que o que trouxe você aqui foi esse meu jeito de ir vivendo como quem pula poças de lama, sem cair nelas, mas sei que agora esse jeito se despedaça. Torre fulminada, o inabalável vacila quando começa a brotar de mim isso que não está completo sem o outro. Você assopra na minha testa. Sou só poeira, me espalho em grãos invisíveis pelos quatro cantos do quarto. Fico noite, fico dia. Fico farpa, sede, garra, prego. Fico tosco e você se assusta com minha boca faminta voraz desdentada de moleque mendigo pedindo esmola neste cruzamento onde viemos dar.
A cidade está louca, você sabe. A cidade está doente, você sabe. A cidade está podre, você sabe. Como posso gostar limpo de você no meio desse doente podre louco? Urbanóides cortam sempre meu caminho à procura de cigarros, fósforos, sexo, dinheiro, palavras e necessidades obscuras que não chego a decifrar em seus olhos semafóricos. Tenho pressa, não podemos perder tempo. Como chamar agora a essa meia dúzia de toques aterrorizados pela possibilidade da peste? (Amor, amor certamente não.) Como evitaremos que nosso encontro se decomponha, corrompa e apodreça junto com o louco, o doente, o podre? Não evitaremos. Pois a cidade está podre, você sabe. Mas a cidade está louca, você sabe. Sim, a cidade está doente, você sabe. E o vírus caminha em nossas veias, companheiro.
Fala, fala, fala. Estou muito cansado. Já não identifico nenhuma palavra no que diz. Apenas me deixo embalar pelo ritmo de sua voz, dentro dessa melodia monótona angustiada perpiexa repetitiva. Quase três da manhã. Não temos aonde ir, nunca tivemos aonde ir. Um nojo, vezenquando me dá um asco — nojo é culpa, nojo é moral — você se sente sórdido, baby? — eu tenho medo, não quero correr riscos — mas agora só existe um jeito e esse jeito é correr o risco — não é mais possível — vamos parar por aqui — quero acordar cedo, fazer cooper no parque, parar de beber, parar de fumar, parar de sentir — estou muito cansado
— não faz assim, não diz assim — é muito pouco — não vai dar certo — anormal, eu tenho medo — medo é culpa, medo é moral — não vê que é isso que eles querem que você sinta? medo, culpa, vergonha — eu aceito, eu me contento com pouco — eu não aceito nada nem me contento com pouco — eu quero muito, eu quero mais, eu quero tudo.
Eu quero o risco, não digo. Nem que seja a morte.
Cachorro sem dono, contaminação. Sagüi no ombro, sarna. Até quando esses remendos inventados resistirão à peste que se infiltra pelos rombos do nosso encontro? Como se lutássemos — só nós dois, sós os dois, sóis os dois — contra dois mil anos amontoados de mentiras e misérias, assassinatos e proibições. Dois mil anos de lama, meu amigo. Esse lixo atapetando as ruas que suportam nossos passos que nunca tiveram aonde ir.
Chega em mim sem medo, toca no meu ombro, olha nos meus olhos, como nas canções do rádio. Depois me diz: — “Vamos embora para um lugar limpo. Deixe tudo como está. Feche as portas, não pague as contas nem conte a ninguém. Nada mais importa. Agora você me tem, agora eu tenho você. Nada mais importa. O resto? Ah, o resto são os restos. E não importam”. Mas seus livros, seus discos, quero perguntar, seus versos de rima rica? Mas meus livros, meus discos, meus versos de rima pobre? Não importa, não importa. Largue tudo. Venha comigo para qualquer outro lugar. Triunfo, Tenerife, Paramaribo, Yokohama. Agora, já. Peço e peço e não digo nada mas peço e peço diga, diga já, diga agora, diga assim. Você não diz nada. Você não me vê por trás do meu olho que vê. Você não me escuta por trás da minha boca que pede sem dizer, e eu bem sei. Você planeja partir para um país distante, sem mim, de onde muitos anos depois receberei a carta de um desconhecido com nome impronunciável anunciando a sua morte. Foi em abril, dirá, abril ou maio. Ou setembro, outubro. Os mais cruéis dos meses. Tanto faz, já não importará depois de tanto tempo, numa cidade remota.
Pelas escadarias da avenida deserta, lata de coca- cola largada na porta da igreja, aqui parece que o tempo não passou, quero te mostrar um vitral, esta sacada, aquele balcão como os de Lorca, entremeado de rosas, quero dividir meu olhar, desaprendi de ver sozinho e agora que tudo perdeu a magia, se magia houve, e havia, e não consigo mais ver nenhum anjo em você, pastor, mago, cigano, herói intergaláctico, argonauta, replicante, e agora que vejo apenas um rapaz dentro do qual a morte caminha inexorável, só não sabemos quando o golpe final, mas virá, cabelos tão negros, rosto quase quadrado, quase largo, quase pálido, onde já começou a devastação, olhos perdidos, boca de naufrágio vermelho pesado sobre o escuro da barba malfeita, olho tudo isso que vejo e não tem outra magia além dessa, a de ser real, e vou dizendo lento, como quem tem medo de quebrar a rija perfeição das coisas, e vou dizendo leve, então, no teu ouvido duro, na tua alma fria, e vou dizendo louco, e vou dizendo longo sem pausa — gosto muito de você gosto muito de você gosto muito de você.
Tantas mortes, não existem mais dedos nas mãos e nos pés para contar os que se foram. Viver agora, tarefa dura. De cada dia arrancar das coisas, com as unhas, uma modesta alegria; em cada noite descobrir um motivo razoável para acordar amanhã. Mas o poço não tem fundo, persiste sempre por trás, as cobras no fundo enleadas nas lanças. Por favor, não me empurre de volta ao sem volta de mim, há muito tempo estava acostumado a apenas consumir pessoas como se consome cigarros, a gente fuma, esmaga a ponta no cinzeiro, depois vira na privada, puxa a descarga, pronto, acabou. Desculpe, mas foi só mais um engano? e quantos mais ainda restam na palma da minha mão? Ah, me socorre que hoje não quero fechar a porta com esta fome na boca, beber um copo de leite, molhar plantas, jogar fora jornais, tirar o pó de livros, arrumar discos, olhar paredes, ligar-desligar a tevê, ouvir Mozart para não gritar e procurar teu cheiro outra vez no mais escondido do meu corpo, acender velas, saliva tua de ontem guardada na minha boca, trocar lençóis, fazer a cama, procurar a mancha da esperma tua nos lençóis usados, agora está feito e foda-se, nada vale a pena, puxar as cobertas, cobrir a cabeça, tudo vale a pena se a alma, você sabe, mas alma existe mesmo? e quem garante? e quem se importa? apagar a luz e mergulhar de olhos fechados no quente fundo da curva do teu ombro, tanto frio, naufragar outra vez em tua boca, reinventar no escuro teu corpo moço de homem apertado contra meu corpo de homem moço também, apalpar as virilhas, o pescoço, sem entender, sem conseguir chorar, abandonado, apavorado, mastigando maldições, dúbios indícios, sinistros augúrios, e amanhã não desisto: te procuro em outro corpo, juro que um dia eu encontro.
Não temos culpa, tentei. Tentamos.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Uma bobagem ai pra atualizar

Ela chegou assim, meio obrigada,
não queria estar ali, não buscava aquele lugar.
Por dias sonhou como seria sua vida nessas condições,
mas não era a hora certa!
Lá vem ela, sorrindo e falando a todos
"Eu estou aqui e não é por acaso"
Assim como eu acredito que ela estranhou a casualidadeque que a vida lhe ofereceu
De estar ali mesmo não querendo
Ela sabia que as coisas são assim, porque é preciso que sejam
Porque alguém tem que sofrer
Alguém tem que sorrir
E alguém tem que temer.
Não temer a vida
Mas o modo como ela pode brincar com os nossos planos
Nossa cabeça
E nosso coração.

Ana Ferraz

sábado, 28 de junho de 2008

Roda gigante

Girar, girar, sem querer parar

Do alto da roda gigante ele podia ver a cidade, lá em baixo iluminada e silenciosa. O parque já havia fechado, mas ele continuava lá sentado, sentia-se confortável e seguro, embora não gostasse do orvalho da noite que deixava suas roupas úmidas. Com a mão esquerda acariciava uma fotografia antiga, tinha os olhos atentos à foto, como se quisesse mergulhar no papel. Repetia em voz alta, já que ninguém podia ouvi-lo lá de cima, uma canção antiga que escutava na mocidade.Depois de repetir o refrão algumas vezes, calou-se. O silêncio era interrompido pelo barulho dos insetos e pequenos animais que rondavam o parque.
As luzes da cidade foram apagando-se, o orvalho da noite abria espaço para um tímido sol que aparecia por entre as nuvens. Lá de cima ele podia ver o alvorecer. Em pouco tempo a cidade já mostrava sinais de movimentação, alguns homens saíam de bicicleta em direção à obra de reforma da igreja, as crianças com suas mochilas entravam no ônibus e algumas mulheres conversavam no portão. O ritmo da pequena cidade era sempre o mesmo, calmo e pacato.
Era incrível a visão que o homem tinha lá do alto, a roda gigante proporcionava uma sensação de grandeza, ele sentia-se mais perto do céu e com o poder de ver quase tudo que acontecia na terra, sem que as pessoas ou os pássaros o notassem. Olhava a vida de uma forma que ela parecia distante dele o fazia ficar em silêncio, como espectador da realidade.
O parque só funcionava à noite, ele teria que ficar lá em cima até o brinquedo começar a girar. Ele sabia que a espera seria longa e gostava disso, gostava também de girar, sabia que assim como a roda girava sem sair do lugar a cada volta que ela dava uma sensação diferente proporcionava, por isso girava, girava sem querer parar. Puxou um maço de cigarros do bolso, acendeu um fósforo e deu uma comprida tragada. Ao soltar a fumaça bateu na caixinha o antigo samba da noite anterior, seus olhos encheram-se de lágrimas, o cigarro sendo seguro pelos lábios não permitia que o som saísse firme de sua boca, mas as lagrimas escorriam leves de seus olhos. Ele não parava de cantar, sua voz não estava embargada, agora já sem o cigarro nos lábios, ela soava mais forte a cada palavra. Repetiu a música muitas vezes, as lágrimas molhavam o casaco ainda úmido do sereno, seu rosto parecia mais limpo, sua alma mais leve.
Observando as pessoas que passavam lá na rua ele desconfiava que o tempo andava rápido, já havia passado do meio dia. Puxou novamente do bolso a fotografia, olhou-a por alguns minutos, dessa vez com menos atenção. Os seus olhos esboçavam alegria e sua boca um tímido sorriso. Ajeitou-se no banco apoiando suas costas no parapeito da cabine, ela balançava um pouco, mas ele não pareceu se importar com isso. Parecia estar alegre, com o corpo relaxado e os olhos fechados, balançava a foto no ar, sentia o vento que seus movimentos produziam, sussurrava baixinho que podia voar.
Ele estava sozinho, distante e feliz. Podia ser quem ele quisesse, preferiu ser o que ele era. Acendeu um cigarro e olhou para baixo, como se precisasse certificar-se da distância que ele se encontra do chão. Guardou a fotografia no bolso, tirou o casaco e amarrou-o na cabeça, o sol da tarde ardia forte. O calor foi o único desconforto, não sentia sede, fome ou sono, apenas o ardor do sol em seu rosto.
O sol começava a esconder-se no horizonte, o homem que olhava novamente atento a fotografia não podia perceber que o pôr do sol se aproximava. Com a mão direita segurava a foto, pela primeira vez a luz permitia que ela fosse vista com clareza. Três homens, lado a lado, todos muito jovens. Ele pegou seu maço de cigarros, acendeu um fósforo e levou até o cigarro que estava em sua boca. Quando soltou a fumaça, repousou o braço sobre a perna, as cinzas caíram em cima do sapato surrado que ele calçava. Deu mais uma tragada e jogou o cigarro fora. Com a mão esquerda rasgou a foto, ficou com dois pedaços de papel na mão, em um deles encontravam-se duas figuras, no outro apenas uma. Rasgou em cinco pedaços o papel que tinha apenas um homem e os arremessou para fora da roda gigante. Ficou acompanhando os pedacinhos de papel que flutuavam no ar até que caíssem no chão.
O tempo havia passado, a noite chegara e trouxe com ela muitas pessoas ao parque. A roda começou a girar, quando o monitor do brinquedo deparou-se com aquele homem na cabine levou um susto, deixou que a roda completasse mais uma volta, então parou e pediu para que ele se retirasse. Muito surpreso indagou-o como ele tinha parado lá em cima, mas o homem não respondeu. Saiu do brinquedo, pegou a mão do monitor, entregou-lhe a outra metade da fotografia e saiu andando pelo parque, até sumir em meio a multidão. O funcionário do parque não entendeu nada do que estava acontecendo. Segurou o pedaço da foto, nela havia dois homens bem vestidos com ternos e chapéus bem alinhados, a fotografia em preto e branco estava amarelada por causa do tempo. O garoto virou o papel, no verso bem ao canto tinha uma inscrição, atentamente ele decifrou o que estava escrito. “Amigo, devo a ti a minha vida. São Paulo 1968.”
O monitor ficou parado olhando atentamente a fotografia, nenhum dos homens parecia com aquele que havia saído da roda gigante. Sem saber como ele havia parado lá em cima o garoto esboçou um tímido sorriso, guardou a foto no bolso, apertou o botão e ligou a roda gigante. Ela começou a girar, girar, sem querer parar.

Ana Ferraz

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Um texto diferente.


Aqueles olhos azuis


"Ouse, ouse tudo! Seja na vida o que você é, aconteça o que acontecer.Não defenda nenhum princípio, mas algo de bem mais maravilhoso:algo que está em nós e que queima como o fogo da vida!!"


Tu me olhavas com olhos de fogo. Parecia que eu podia ver as chamas me consumindo dentro daqueles doces olhos azuis. Toda vez que falava nela eu sentia as faíscas tornando-se chama, sabia que era ela que tu querias queimar.
Todas as noites eu fechava a janela da sala, era uma maneira de abafar o som que vinha da rua. Nunca gostei dos sons da noite da cidade, os gemidos das almas que vagam sem rumo pelos becos e bares, discutindo, amando e chorando pelas calçadas imundas. Eu me sentia imunda suja com todos os sons e pedidos de socorro que vinham por aquela janela e eu mesma precisava de ajuda. Mas eu ficava lá olhando o fogo me consumir no interior dos teus olhos sem que eu pudesse sentir que também alguma coisa em mim parecia queimar.
Foram muitos anos vividos sem sentir que ela também me atingia e que meus olhos também queimavam quando tínhamos variados devaneios que sempre acabavam no mesmo assunto. O que de tão especial ela tem que nos fazia queimar por dentro, sem que pudéssemos admitir que ela mexia conosco. A cada dia que passava falávamos mais claramente sobre ela, o significado dela entre nós e o silêncio tomava uma proporção que já não podíamos controlar, apenas ficávamos ali sentados refletindo sem percebermos o tempo, que passava acelerado por nós.
Você sempre falava que era como magia, que não tinha como explica-la, não havia teoria que pudesse fazer com que entendêssemos a razão dela nos fazer queimar, sem dor, talvez fosse mesmo uma espécie de mágica ou sonhos grandes demais, talvez até epifanias impossíveis de se fazerem reais. Repetíamos sempre que o mais importante era fazermos dela o que nos fizesse sentir bem, queríamos sugá-la para dentro de nós.Consumi-la com nossas chamas. Precisávamos sentir o ardor, para nos sentirmos vivos.
Mas alguma coisa aconteceu, não conseguíamos sair do mesmo lugar, os sonhos só aumentavam. O tempo passou, hoje o carvão ainda tem brasa, mas está se transformando em cinzas. Deixamos o fogo apagar, a brasa nos lembra que ela ainda está queimando em nós só que já não conseguimos suga-la para o nosso interior, talvez tenhamos relaxado e desistido de alimentar o fogo. Entre magias e encontros, o que vemos hoje são apenas cinzas e desencontros, que são embalados pelos sons que vem da rua, agora bem mais carregados de dor.
Ela passou sem que percebêssemos o que estávamos fazendo com ela, que já não aparecia nos nossos papos, não ficava mais entre nós. As chamas em seus olhos não me queimam mais e eu sabia que ousamos pouco, choramos pouco e deixamo-la escapar.

Ana Ferraz

domingo, 15 de junho de 2008

mais um devaneio

Sensibilidade à flor da pele

Para Élvis Herrmann Bonini


Ele chegou meio calado, misterioso, não olhava para os lados, parecia que não queria estar ali. Sentou em uma das mesas intermediárias da classe, tirou o estojo da mochila e organizou todas as canetas em ordem crescente em cima da mesa, o cabelo escuro e um pouco comprido caia sobre os olhos, carregava um sorriso que surgia disfarçadamente no rosto, seus olhos diziam que ele era uma alma que ainda estava se descobrindo.
Com o tempo já era possível observar que ele era um tipo raro de rapaz, carregava uma luz própria, entre tantas faces e facetas ele via a essência de sentimentos, que normalmente as pessoas tentavam esconder. Seu olhar agora mais definido era meigo e forte, um contraste que mostrava que apesar de ainda um pouco perdido ele sabia onde queria chegar, só falta definir os caminhos.
Alguma coisa me chamava a atenção naquele rapaz que sentava nas mesas intermediarias, nunca tinha conversado com ele, mas sempre o observava falando com outras pessoas, ele tinha um papo curioso, interessado no que os outros diziam, parecia ter emoções que borbulhavam dentro do peito, mas que ainda meio sem jeito ele não conseguia lidar com elas. Ele não era uma daquelas almas que vagam perdidas num deserto de almas desertas, de onde às vezes é impossível sair, e eu não o conhecia, mas o observava, de longe era possível notar que ele tinha algo que o diferenciava da maioria, uma sensibilidade que não se podia explicar e que eu queria experimentar, mas não tinha coragem.
Muitos anos se passaram, a minha covardia não me permitiu que nos aproximássemos na juventude, hoje sei que perdi muito tempo por causa disso e se pudesse me arrepender eu faria diferente. Após um tempo sem vê-lo reconheci aquele rosto, agora mais velho por causa do tempo, os cabelos não caiam mais sobre os olhos, o sorriso não era mais tímido, era alegre e marcante. Na primeira vez que eu o vi andando pelos corredores do prédio passei por ele como se fosse apenas mais um vizinho, acenei com a cabeça e ele respondeu com um oi tímido, senti naquele momento que ele me reconheceu ou apenas era simpático. Sempre escutava uma música que vinha dos andares de cima, um som que me fazia relaxar, pensava naquele rapaz, um tipo diferente de rapaz, não sabia por que ele aparecera de novo em minha vida, eu achava estranho o encantamento que eu tinha pelo jeito de ser dele, mas nunca tinha pensado em reencontrá-lo, não depois de tantos anos.
Fiquei dias sem vê-lo, achei que ele pudesse estar apenas visitando algum vizinho meu. Mas os encontros começaram a ser mais freqüentes, até que um dia foi inevitável, ele me reconheceu e perguntou se eu não havia sido colega dele na escola. Respondi que sim, perguntei como ele lembrava de mim, já que nunca havíamos trocado muitas palavras além de comprimentos que aconteciam esporadicamente. Mas ele lembrava de mim, assim como eu lembrava dele, eu tinha certa curiosidade em relação a aquele rapaz, que hoje estava na minha frente, um homem e com as mesmas emoções dos tempos de garoto.
Eu já tinha mudado muito, não tinha mais medo de conversar. Descobrimos que éramos vizinhos, ele morava no apartamento de cima, rimos muito quando começamos a nos conhecer e a relembrar das histórias do colégio, apesar de não termos convivido sabíamos muitas historias em comum. Tornamo-nos grandes amigos, mas eu continuei a observá-lo, a cada dia que passava a nossa convivência aumentava e eu podia ver que aquela essência da juventude tinha se tornado realidade, ele ainda sabia onde queria ir e já havia encontrado os caminhos, minha curiosidade sobre ele também aumentava, eu queria descobrir o que ele tinha de tão especial.
Eu que nunca fui de muitos amigos, encontrei nele uma família, nossa convivência era muito intensa e especial, compartilhávamos dos mesmos gostos. Muitas vezes eu estava em casa, com um copo de vinho e muitos papéis para ler e problemas para resolver, mas largava tudo quando ouvia o som no apartamento de cima, ele sempre colocava discos que me faziam dançar, acho que muitas vezes isso acontecia sem querer, mas nos tínhamos uma ligação, parecia que ele sabia quando eu estava ficando triste ou com muitas coisas para fazer e pensar, a música me ajudava a relaxar, muitas vezes fiquei dançando no meio da sala da minha casa, nunca contava isso pra ninguém, mas ele parecia saber.
Dividíamos também algumas frustrações, o amor era assunto muito presente, mas muito distante. Costumávamos conversar muito sobre assuntos do coração, não sabíamos explicar como as pessoas conseguiam se apaixonar, só sabíamos que paixão e sofrimento andavam juntos, acho que sempre tivemos medo de amar, medo de sofrer, como já aconteceram algumas vezes. Também ficávamos horas falando sobre o mundo, sobre pessoas, um dia toquei no assunto das almas que viviam no deserto de almas e como algumas nunca sairiam de lá, ele riu, mas entendeu o que eu queria dizer. Falava que às vezes é difícil pensar nessas pessoas, em como essas almas acabavam assim, como elas não podiam sentir o que acontecia em volta delas. Foi através de assuntos que nos frustravam e nos agonizavam que eu pude ir descobrindo qual era o mistério que rondava aquela pessoa adorável, perceber que ele também tinha dias ruins, medos e insatisfações que o tornavam o que ele realmente era, uma pessoa, ser humano e como todos os seres humanos ele também tinha coisas mal resolvidas, mas o que mais me intrigava era a visão que ele tinha dessas coisas que o atormentavam. Sempre da mesma forma, seguia com um olhar meigo e forte que mostravam que ele não era uma pessoa comum.
Hoje, ainda tememos o amor, sentimos pelas pessoas que não conseguem enxergar além dos estereótipos, continuamos vizinhos, ainda não falei pra ele sobre a música que me alegra e acalma, muitas descobertas foram feitas, muitos gostos foram refinados, muitas visões sobre arte, política, sociedade, foram moldadas. Ele ainda é parte de mim, assim como eu parte dele. Ah sim, eu ainda não descobri o que nele é tão fascinante, mas tenho dado o nome dessas sensações que eu tenho em relação a ele de: sensibilidade à flor da pele. Tente conviver com uma pessoa assim, especial e intrigante, que poderás sentir o que eu quero dizer.



Ana Ferraz

domingo, 8 de junho de 2008

(...)Por isso cada um de nós tem que encontrar por si mesmo o "permitido" e o "proibido" relativamente à sua própria pessoa - o que é proibido a cada um de nós. Podemos deixar de fazer tudo o que for proibido e sermos, a despeito disso, um ressumado patife. E vise-versa. - Em suma, tudo não passa de uma questão de comodidade! Aquele que acha mais cômodo não ter que pensar por si mesmo e ser seu próprio juiz, acaba por submeter-se às proibições vigentes. Acha isso mais simples. Mas há outros que sentem em si mesmos a sua prórpia lei, e concideram proibidas as coisas que os homens de bem perpetram a todo instante e permitem outras sobre as quais recai uma geral interdição.
Cada qual tem que responder por si mesmo.(...)

Herman Hesse - Demian

terça-feira, 27 de maio de 2008

Elvis!

Estou postando um texto do meu amigo Élvis. Quem lê o que é publicado aqui e estiver afim de dar se pitaco, por favor comentar é permitido!

Naquela cerveja de bar...

Ela é um mistério. Deve ter a décima casa em Peixes também. Tem tantas coisas nela que estão fechadas para mim. Algo se esconde lá. Entre aquela neblina do cigarro e a espuma da cerveja que não permite ver o que está submerso. Com certeza o preto lhe caia bem. Mas o que realmente acontecia dentro daquela garrafa de cerveja? Que bolhas de gás histórico essa jovem mulher tinha passado? Que líquido dourado envelhecido era aquele?
Ela é alta, esguia. Seus cabelos pretos fortes revelam o brilho da juventude em seu esplendor. Seu corte era repicado com franjas intercaladas. A pele do rosto era límpida, como um pêssego. As vezes sorria de maneira amedrontadora que me assustava mas que lindos dentes mostrava. Era um corpo escultural, cheio de beleza e atração.
Era um grilo. Ás vezes caminhava com os joelhos dobrados, fazendo piadinhas e soltava gargalhadas altas. Ela tinha o dom do humor. E seus dentes brilhavam mais. Suas pálpebras diminuíam, enrugando os lados dos olhos, com sorrisos generosos, mas não; ela não estava chapada, era pura diversão mesmo.

But darling darling, stand by me
Stand by me
Stand by me

A menina perdida era revolucionária. Lia sobre a Revolução de 68 e socialismo. Era dotada de grande criticidade. Queria se envolver com política na universidade, derrubar o governo vigente. Era injustiça. Se revoltava quando escutava Elis Regina cantando sobre a anistia. O fogo havia se apagado, as pessoas há não lutam por ideais dizia ela.
Nos seus olhos fechados para o exterior, escondiam-se em camadas múltiplas, sentimentos que não vinham a tona. Eram latentes, mas estavam presas em um aquário como peixes dourados de estimação, esperando para serem lançados em uma lagoa qualquer.
Estava absorta em pensamentos. Olhar vago. A mente mais uma vez lacrada para o mundo exterior. Uma noite dessas ela estava com seus jeans justos, camiseta preta e branca com um terninho de veludo preto. Usava tênis pretos com as estrelas brancas, símbolo da vida que levava. Cinco pontas. Tão simples. Companheiros de tantas loucuras vividos por ela. Ela se sentou no banco de madeira preso ao chão e pensou. Pegou um cigarro Carlton vermelho e seu isqueiro. O céu estrelado e ela. Glamourosamente, ela fumava. Levava o cigarro à boca aberta entre o indicador e o dedo médio, depois alguns toques para as cinzas caírem. A fumaça invadia seus pulmões e os pensamentos eram tantos que saiam em forma de fumaça. Se esvaia lentamente sob o céu claro e estrelado. A lua refletia seu rosto e mostrava a pele límpida, suave com óculos estilo John Lennon e um par de lágrimas. O cigarro ajudou. As camadas múltiplas eram rasgadas, dilaceradas e tudo saía ora pelo cigarro ora pelos olhos. Olhava o olhar dele e queria comer o beijo dele.
No fundo a revolta se transformava em paixão, ela queria apenas o amor. Mecanismos de defesa eram revezados constantemente para proteger algo que ela tanto queria mas que tanto não queria. O futuro estava lá, esperando. A deriva para ser construído. Só faltava um olhar e uma entrega. A dela.

Elvis Boninni

sábado, 24 de maio de 2008

Poema

Saudade

Pablo Neruda

Saudade é a solidão acompanhada, é quando o amor ainda
não foi embora, mas o amado já...
Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não viver o futuro que nos convida...
Saudade é sentir que existe o que não existe mais...
Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram pra trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam...
Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
aquela que nunca amou.
E esse é o maior dos sofrimentos:
não ter por quem sentir saudade,
passar pela vida e não viver.
O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido.




segunda-feira, 19 de maio de 2008

Aaaah!

Uma carta de alguém para outro alguém. Muitas vezes me eprguntam se o que eu escrevo são coisas que eu sinto, que eu vivo ou que eu penso que posso viver. A única resposta que eu dou, porque é sempre a mesma, é que eu apenas conto histórias, claro que algumas coisas conhecidem com a minha vida, mas eu só conto histórias, que podem acontecer comigo, contigo, com qualquer pessoa.

Mais um devaneio meu ai!



Longe de mim

Longe de mim, acho que o amor passa longe de mim.
Chove, chove, chove muito lá fora, eu posso ver através do vidro os pingos caindo no asfalto cinza e molhado.Na sala a televisão sussurra baixinho frases que eu não compreendo e o cinzeiro cheio me dá mais vontade de aumentar as garrafas vazias sobre a mesa, abraçada ao travesseiro eu penso em coisas como: porque a gente arruma a cama para dormir se em segundos estará desarrumada ou porque usamos pijama se ninguém nos vê dormindo.Então lembro que eu não uso pijamas e há tempos nem a cama arrumo.Um clima de nostalgia que se formara desde aquele dia em que tudo acabou e a fumaça do cigarro traz no ar um sentimento de solidão que penetra fundo na minha alma, me faz sentir medo. Nem meus livros me animam mais, aquele disco dos Beatles não me faz cantar e muito menos as antigas fotografias melhoram o meu humor, eu sou uma alma só num mundo deserto de pessoas especiais.

Era Agosto, o frio da cidade me dava esperanças de que as coisas iam melhorar, eu amava o frio, era lindo passear no fim de tarde sentindo o vento frio cortar meu rosto enquanto o sol tímido se despedia no horizonte, eu sabia que nos encontraríamos mais tarde, a música rolaria solta, os Beatles embalariam nossos papos interessantíssimos sobre teorias e historias das quais os personagens não éramos nós. Os copos cheios se responsabilizariam pelas gargalhadas exageradas, a fumaça dos cigarros dariam um clima mais aconchegante e a luz baixa nos tornaria mais íntimos, como se precisasse. Éramos como velhos amigos, sentados conversando sobre coisas banais, nos permitíamos um contato físico e sentimental que só se tem entre pessoas com almas diferentes, puro, amoroso e protetor.Tudo era tão sublime e eu tinha a certeza que o amor estava ali presente nos gestos, nas palavras nos olhares que penetravam fundo na alma do outro sem que um sentimento desconfortável de constrangimento tirasse o brilho daquele momento, em que estávamos totalmente entregues um ao outro.
Mas naquele dia daquele mês de Agosto algumas coisas haviam mudado. Desde então nossos olhares não se cruzavam mais, os assuntos não fluíam e éramos como estranhos um para o outro, sem explicação lógica para essa mudança de sentimento, apenas a sensação de que as coisas estavam erradas, como se os planetas tivessem saído da órbita ou o sol mudado de lugar, não tinha explicação e não tínhamos idéia de como isso acontecera, mas aconteceu.
Aconteceu naquele mês de Agosto. Os encontros começaram a se tornar raros, nem olhávamos mais um para o outro, o disco não tocava mais, o sonho tinha acabado e junto com ele todo aquele sentimento sublime dava lugar a um sentimento cruel que doía, doía fundo numa alma vazia. Bebíamos mais, fumávamos mais, mas não se escutavam gargalhadas e o clima era frio e distante. Até o dia que passei por ele na rua e um pequeno gesto com a mão selou o fim de tudo.

Longe de mim, eu tinha certeza que o amor passava longe de mim.
Os dias eram intermináveis, já era Novembro e eu continuava só, no mesmo apartamento, com a mesma luz baixa, mas o triplo de garrafas sobre a mesa, os maços de cigarro vazios já faziam parte da decoração, meus livros estavam jogados pelo chão, eu tentava lê-los, mas não tinham mais graça, na vitrola os Beatles tinham sido trocados por umas sinfonias tristes de Wagner que me traziam pensamentos diferentes, eram mais ferozes, eu tinha vontade de invadir a Polônia, a Escócia, e Ucrânia, transforma-los em paises livres do sofrimento de sua história, mas na verdade a Polônia, a Escócia, a Ucrânia e principalmente a Rússia, eram eu mesma, fria, enorme e vazia.
Longe de mim, o amor está longe de mim.
Em Janeiro a situação era praticamente a mesma, eu continuava no mesmo lugar, a luz baixa era fraca e as garrafas já ocupavam metade da sala, meus dias eram tristes, eu começava a ter medo, trocara os discos pela televisão, mas os sussurros que saiam dela eram mais vazios do que a minha alma, preferia a companhia dos livros fechados por falta de leitura e os discos jogados pelo chão do que o vazio da televisão. Já havia esquecido a Polônia, a Escócia era apenas uma vaga lembrança, a mais marcante, pois eram de lá os uísques mais saborosos, inclusive um que eu havia ganhado de presente dele no meu aniversário.
Os meses de verão não eram os meus preferidos, o calor me cansava, preferia o frio de Agosto, que apesar de me trazer lembranças daquele sentimento feliz me trazia esperança de que o próximo Agosto seria diferente, mas a realidade me incomodava, saber que ainda era Janeiro me fazia pensar nas plantas sedentas e nos animais calorentos que assim como eu queriam água fresca para dar um ânimo para recomeçar, mas era Janeiro e a água era quente e eu não achava ânimo para nada.
Longe, ainda mais longe de mim, o amor estava longe de mim.

Chove, ainda chove, os pijamas e as camas desarrumadas tentam disfarçar outros pensamentos, tento me esconder atrás de sussurros televisivos para não encarar a realidade que eu descobri há um ano atrás. Não consigo aceitar, não consigo me livrar, não consigo aprender a conviver com isso. Preciso aprender a viver sem o amor, não é fácil, a vida não é fácil, mas eu ainda tenho esperança, mas preciso me erguer, perdi um ano entre garrafas e cigarros, invadindo a Europa, desarrumando camas, trocando Beatles por Wagner. Um ano, é Agosto, chove, eu vejo isso através do vidro, os pingos tocam suavemente o asfalto cinza e molhado, a luz baixa ilumina os livros empoeirados pelo chão, pego o Magical Mystery Bus, os Beatles voltam a tocar, eu me reanimo. De vagar começo a mexer nos livros do chão, tiro a poeira da capa dura e escura, não consigo ver direito o nome do livro, o tempo apagou até isso. Me reanimo, volto a ler, escutar os discos, vejo que foi um ano perdido, mas não um ano inútil. A culpa de eu estar assim é minha, não do amor.Hoje eu descobri que longe, longe do amor, acho que eu passo longe do amor.


Ana Ferraz

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Caio!

Estou sem criatividade hoje, por isso estou postando esse conto de um dos meus escritores preferidos, Caio Fernando Abreu. Sob o céu de Saigon, esse conto está no livro Ovelhas Negras.



Sob o céu de Saigon


Para Regina Valladares

Ele era um desses rapazes que, aos sábados, com a barba por fazer, sobem ou descem a rua Augusta. Aos sábados quase sempre à tarde, pois pelos óculos muito escuros e o rosto um tanto amassado por baixo da barba crescida, quem olhasse para um deles mais detidamente, mas poucos o fazem, perceberia que dormiu mal ou demais, bebeu na noite anterior, acabou de chorar ou qualquer coisa assim. Costumam usar jeans desbotados, esses rapazes, tênis gastos, camisetas e, quando mais frio, alguma jaqueta ou suéter geralmente puídos nos cotovelos. Quase sempre levam as mãos nos bolsos, o que torna impossível a qualquer um que passe ver melhor suas unhas roídas, seus dedos indicador e médio da mão direita, ou da esquerda, se forem canhotos, amarelados pelo excesso de fumo. Eles olham para baixo, não como se tivessem medo de tropeçar nos solavancos freqüentes das calçadas da Augusta, pois raramente usam sapatos, e as solas de borracha dos tênis amoldam-se com certa suavidade às irregularidades do cimento; olham para baixo, e isso seria visível se se pudesse localizar o brilho nos seus olhos de pupilas um tanto dilatadas por trás das lentes escuríssimas dos óculos, como se procurassem tesouros perdidos, bilhetes secretos, alguma jóia ou objeto que, mais que valor, guardasse também uma história imaginária ou real, que importa? Mas às vezes olham também para cima, e quando o céu está claro, o que é raro na cidade, pode-se imaginar que suas peles brancas procuram desesperadas e quase automaticamente pela luz do sol. E quando o céu está escuro, o que é bem mais comum, sobretudo nesses sábados em que rapazes assim costumam subir ou descer a rua Augusta, pode-se imaginar que procurem balões juninos, objetos voadores não-identificados, pára-quedistas, helicópteros camuflados, zepelins, ou qualquer outra dessas coisas pouco prováveis de serem encontradas sobrevoando ruas como a Augusta num sábado à tarde. Ou horizontes, talvez busquem horizontes entre o emaranhado de edifícios refletidos nas lentes negras dos óculos que escondem o brilho ou a intenção do fundo dos olhos no momento em que um desses rapazes pára na esquina, como se tanto fizesse dobrar à esquerda ou à direita, seguir em frente ou voltar atrás. Por serem como são, seguem sempre em frente, subindo ou descendo a rua Augusta. E por serem tão iguais, quem prestar atenção em algum deles, mas poucas vezes ou nunca alguém o faz, jamais saberá se se trata de muitos ou apenas um. Um único rapaz: este, com a barba por fazer e mãos enfiadas no fundo dos bolsos, que agora, logo depois de cruzar o topo da Avenida Paulista, começa a descer a rua Augusta em direção aos Jardins no sábado à tarde.
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Ela era uma dessas moças, aos sábados, com uma bolsa pendurada no ombro, sobem ou descem a rua Augusta. Aos sábados quase sempre à tarde, pois pelos óculos muito escuros e o rosto um tanto amassado que a ausência total de maquiagem nem pensou em disfarçar, quem olhar para uma delas mais detidamente, e alguns até o fazem, pedindo telefone ou dizendo gracinhas sem graça, às vezes grossas, porque elas caminham devagar, olhando as coisas, não as pessoas, mas quem olhar com atenção perceberá que dormiu mal ou demais, bebeu na noite anterior, acabou de chorar ou qualquer coisa assim, sem muita importância. Costumam, elas também, usar jeans desbotados, sapatos de salto baixo, às vezes tênis gastos, camisetas ou alguma blusa de musselina, seda crepe, ou outro tecido assim fino, que um rápido olhar mais arguto perceberia de imediato não se tratar de uma pessoa prostituta ou empregada doméstica. Pois têm certa nobreza, essas moças, não se sabe se pela maneira altiva como fingem não ouvir as gracinhas que alguns dizem, se pelo jeito firme de segurar a alça da bolsa com seus dedos de unhas sem pintura, conscientes de que são fêmeas e estão na selva. Num súbito encontrão, que não seria impossível, menos aos sábados, é verdade, do que nas sextas-feiras ao meio-dia ou de tardezinha, se alguém arrebatasse a bolsa a uma dessas moças para depois rasgá-la num terreno baldio, ficaria decepcionado com o dinheiro escasso, o talão de cheques sem saldo, uma agenda de poucos compromissos, tickets de metrô, algum livro de poesia, esoterismo ou psicologia, uma foto de criança, raramente de homem, quem sabe um cartão de crédito vencido e entradas para teatro ou show, já usadas. Essas moças não olham para baixo nem para cima: com passo decidido, olham direto para a frente, como se visualizassem além do horizonte um ponto escondido para esses outros que passam quase sempre sem vê-las, para onde se dirigem com seus jeans gastos, suas bolsas velhas, suas peles de nenhum artifício. Dessa nitidez no passo, dessa atrevida falta de artifícios no rosto é que brota quem sabe aquela impressão de nobreza transmitida tão fortemente quando passam, mesmo aos que não as olham nem mexem com elas. Podem parar para folhear revistas estrangeiras em alguma banca, sem jamais comprar nada, deter-se para conferir os preços estampados nas portas dos restaurantes, olhar maçãs ou morangos, tocar rosas ou antúrios, mas geralmente apenas seguem em frente, subindo ou descendo a rua Augusta. Talvez sejam tantas e, se realmente o são, tão parecidas que, se alguém do alto de uma janela no Conjunto Nacional olhasse para baixo e as visse agora, poderia pensar mesmo que são uma só. Uma única moça: esta, com a bolsa velha pendurada no ombro, que depois de cruzar o topo da Avenida Paulista começa a descer a rua Augusta em direção aos Jardins no sábado à tarde.
-

E porque o mundo, apesar de redondo, tem muitas esquinas, encontram-se esses dois, esses vários, em frente ao mesmo cinema e olham o mesmo cartaz. Love kills, love kills, ele repete baixinho, sem perceber a moça a seu lado. And this is my way, ela cantarola em pensamento, na versão de Frank Sinatra, não de Sid Vicious, sem perceber o rapaz a seu lado. Outros entram e saem, sem vê-los nem ver-se, remanescentes punks, pregos nas jaquetas, botas pretas, intelectuais de óculos, aros coloridos, paletó xadrez, adolescentes japonesas, casais apertadinhos, elas comendo pipocas, senhoras de saia justa, gente assim, de todo tipo.E talvez porque rapazes e moças como ele e ela aos sábados à tarde raramente ou nunca se enfiam pelos cinemas, preferindo subir ou descer a rua Augusta olhando as coisas, não as pessoas, os dois se encaminham para as entradas em arco do cinema. Então param e olham para cima, suspirando em suave desespero, um céu tão cinza, como se fosse chover, oh céu tão triste de Sampa.E então como se um anjo de asas de ouro filigranado rompesse de repente as nuvens chumbo e com seu saxofone de jade cravejado de ametistas anunciasse aos homens daquela rua e daquele sábado à tarde naquela cidade a irreversibilidade e a fatalidade da redondeza das esquinas do mundo - ele olhou para ela e ela olhou para ele.Ele sorriu para ela, sem ter o que dizer. Ela também sorriu para ele. Mas disse, a moça disse:

- Parece Saigon, não?
- O quê? - ele perguntou sem entender.Ela apontou para cima:
- O céu. O céu parece Saigon.
Surpreso, e meio bobo, ele perguntou:- E você já esteve em Saigon?
- Nunca - ela sorriu outra vez.
- Mas não é preciso. Deve ser bem assim, você não acha?
- O quê? - ele, que era meio lento, tornou a perguntar.
- O céu - ela suspirou. - Parece o céu de Saigon.
Ele sorriu também outra vez. E concordou:- Sim, é verdade. Parece o céu de Saigon.

Nesse momento - dizem que cabe aos homens esse gesto, e eles eram mesmo meio antigos - talvez ele tenha pensado em oferecer um cigarro a ela, em perguntar se já tinha visto aquele filme, se queria tomar um café no Ritz, até mesmo como ela se chamava ou alguma outra dessas coisas meio bestas, meio inocentes ou terrivelmente urgentes que se costuma dizer quando um desses rapazes e uma dessas moças ou qualquer outro tipo de pessoa, e são tantos quantas pessoas existem no mundo, encontram-se de repente e por alguma razão, sexual ou não, pouco importa se por alguns minutos ou para sempre, tanto faz, por alguma razão essas pessoas não querem se separar. Mas como ele era mesmo sempre um tanto lento, não perguntou coisa alguma, não fez convite nenhum. Nem ela. Que lenta não era, mas apenas distraída. Ela então sorriu pela terceira vez, e já de costas abanou de leve a mão abrindo os dedos, como Sally Bowles em Cabaret, e continuou a descer a rua Augusta. Ele também sorriu pela terceira vez meio sem jeito como era seu jeito, enfiou as mãos ainda mais fundo nos bolsos, como Tony Perkins em vários filmes, coçou a barba por fazer e resolveu subir novamente a rua Augusta.

Uns cem metros além, ela pela alameda Tietê, ele pela Santos, esse rapaz e essa moça, ou talvez os dois, ou quem sabe mesmo nenhum, mas de qualquer forma ao mesmo tempo, pensam vagos e sem rancor mas estes sábados sempre tão chatos, porra, nunca acontece nada. Por associação de idéias nem tão estranha assim, ele ou ela, ou nenhum dos dois, talvez olhem ou não para trás procurando quem sabe algum vestígio, um resto qualquer um do outro pela rua Augusta deserta do sábado à tarde.

Mas rapazes e moças assim não costumam deixar rastros, e ambos já tinham sumido em suas esquinas de ladeiras súbitas e calçadas maltratadas. Acima deles, nuvens cada vez mais densas escondem súbitas o anjo. O céu de chumbo, onde não seria surpresa se no próximo segundo explodisse um cogumelo atômico, caísse uma chuva radioativa ou desabasse uma rajada de napalm, parecia mesmo o céu de Saigon, quem sabe pensaram. Embora, de certa forma, eles nunca tivessem estado lá.

Caio Fernando Abreu

domingo, 11 de maio de 2008

Pode ser eu!?

Manhãs como essa, são as que me fazem feliz. Acordar, andar até a janela e ficar olhando para fora, sem conseguir enxergar muita coisa por causa da neblina, a fumaça do café quente e sem açúcar me lembram que nem tudo é doce e nem todo amargo é ruim. Não sei bem quando começou esse vicio de acordar cedo nos dias frios, os melhores para ficar na cama dormindo até tarde, encher uma caneca de café forte sem açúcar e caminhar até a janela, olhar para fora, sem rumo, sem enxergar muita coisa, a noite se despedindo e o dia timidamente aparecendo. Já faço isso há alguns meses, o frio insiste em aparecer poraqui na maior parte do ano, o que me deixa feliz, pois posso fazer esse ritual todos os dias. O gosto do café amargo me anima como sempre depois do terceiro gole vou até a vitrola da sala e escolho um disco, acho que só o disco que não se repete com muita freqüência..
Hoje o dia amanheceu nublado, o céu cinza, o café quente, o disco rodando, tudo como sempre. Mas não me sinto muito feliz, a sensação de satisfação matinal não é o que estou sentindo agora, queria ter ficado na cama, dormir até tarde, acordar na hora de sair para o trabalho, tomar um banho, procurar um táxi e não achar nenhum, ficar esperando o metrô e chegar atrasado no escritório, como pessoas normais fazem.
O problema é que não trabalho em um escritório, tenho meu carro, mas prefiro andar de bicicleta e o pior de tudo, não tenho um chefe, muito menos um emprego. Eu vivo em uma cidade agitada, ando pelas ruas fotografando lugares, pessoas, paisagens. Quando preciso de dinheiro vendo algumas fotos, mas não gosto muito disso. Vejo muita gente, mas não me relaciono bem com as pessoas, dizem porai que sou anti-social ou coisa assim, mas as pessoas também não se relacionam muito bem comigo. Tenho uma relação estranha com o mundo externo, por isso prefiro ficar aqui dentro, entre discos, fotografias, xícaras de café, livros e muitas folhas de papel jogadas pelos cantos. Gosto de escrever, mas nunca mostro pra ninguém, tem uma moça que vem aqui toda a semana fazer a faxina, eu falo bastante com ela, porque ela fala comigo.
O dia nasceu diferente, eu sei que alguma coisa aconteceu, sinto que hoje vou ter que falar com muita gente, isso está começando a me amedrontar, não sei o que fazer quando as pessoas falam comigo, todos me acham estranho demais. Daqui duas horas vou sair com a minha máquina para fotografar, hoje vou caminhando, estou cansado para pedalar, não tive uma noite muito boa, quase não preguei os olhos.
Bateram na porta agora, vieram me avisar que a moça que trabalha aqui morreu. Eu sabia que tinha um clima diferente no ar. Odeio velórios, vou ter que usar terno preto, o cemitério é muito longe não vou poder ir de bicicleta, meu carro está tapado de poeira e eu estou triste.
Acabei de voltar do velório, coitada da moça foi brutalmente assassinada, uma morte horrível. Tive que trocar algumas palavras com alguns vizinhos que também pagavam a moça para limpar suas casas, a maioria apenas me conhecia de vista, acho que só troquei comprimentos com alguns deles no elevador.
Mais uma xícara de café, ainda mais amargo. Vi muitos policiais no cemitério, um deles seguiu meu carro até aqui. Estou escutando um disco, sentado na janela apreciando a bela vista da cidade, sinto que a qualquer momento alguém vai bater na porta. Continuo triste, a única pessoa que falava comigo morreu e acho que o suspeito sou eu.
Ana Ferraz

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Cinema Mudo

"Amor sem palavras, cinema mudo."


Cinema mudo

Ela chegou na festa, calça branca de um tecido leve , uma blusa azul e casaco jeans , que davam um ar de descontração. Procurou o lugar menos iluminado do salão, puxou uma cadeira, debruçou-se na mesa e alguém lhe deu um copo cheio de cerveja. Bebeu o primeiro gole, a bebida parecia entrar em seu intimo que resfriava seu corpo provocando arrepios, mas ela gostava da sensação. Naquela noite tudo o que ela queria eram novas sensações, estava à procura de alguma coisa, mas não sabia bem o que procurava.
Sempre foi muito comunicativa, gostava de estar com os amigos batendo papo, só que ultimamente ela não andava nem um pouco entusiasmada para isso. As pessoas chegavam perto da mesa e puxavam assuntos supérfluos como, a vida alheia, faculdade, festas, mas ela apenas respondia por educação com um sim ou não, e às vezes um pois é. Talvez fosse tristeza, ansiedade por alguma coisa que não sabia o que ou apenas vontade de submergir, ali mesmo naquela cadeira e esquecer todos os assuntos desinteressantes que estavam sendo sussurrados aos seus ouvidos. Na verdade estava cansada com o modo em que levava sua vida, desatenta com a vida de seus amigos queridos e desleixada consigo mesma. Ela queria sentir-se completa, mas alguma coisa impedia que isso acontecesse. Tentava se convencer que era apenas uma neurose boba que passaria assim que bebesse mais umas cervejas e se integrasse ao pessoal, que dançava no meio do salão, um rock antigo que não permitia que alguém ficasse parado.

Continuou a beber, quando menos esperava foi tirada para dançar.

Ele era um rapaz alto, moreno, vestia calças jeans rasgadas e uma camiseta verde, não usava nem óculos ou chapéu. Não conhecia muitas pessoas na festa, nem sabia como havia parado lá. Era mais um desses garotos quietos que aparecem nas festas para não se sentirem deslocados do mundo em que vive, na verdade preferia ficar em casa jogando vídeo-game ou lendo um livro interessante. Uma pessoa tímida, de poucos amigos, pouco comunicativa que bebia de vez enquando, não gostava de fumar e escutava música clássica. Nunca se dava bem com as garotas, talvez por ser magrelo, barba por fazer e cabelo banguçado. Sabia que o seu maior inimigo em relação às mulheres sempre foi seu jeito tímido, mas não sabia como ser diferente.
Acabou entrando na festa com a intenção de modificar seu roteiro, ao contrário do que esperava estava com um cigarro aceso na mão, mas não havia bebido nada. A vistou de longe uma garota de cabelos longos que usava uma calça branca e parecia meio deslocada do resto da festa. Não sabe como ou porque, mas viu nela alguma coisa que iria ajudá-lo. Levantou-se e foi dirigindo-se a parte mais escura da festa, foi afastando as cadeiras e mesas que estavam em seu caminho. Chegou perto da última mesa do salão, sentou-se ao lado da garota das calças brancas, ela parecia distraída, não havia notado a presença dele ainda. Pegou na mão da moça e a chamou para dançar, sem pensar muito no que estava fazendo ela foi se levantando e os dois começaram a dançar ali mesmo, na parte escura da festa, onde poucas pessoas poderiam vê-los.
Ele parecia confuso com o que acabara de fazer, nunca imaginou tirar uma menina para dançar, nunca dançava muito, ficava timidamente ensaiando uns batuques na perna das músicas que ouvia.
Ela estava assustada, nem havia notado a presença do garoto quando notou que já estava dançando com ele, a música alta e agitada não a deixava pensar direito, foi deixando-se levar pela melodia e pelos braços do rapaz misterioso.

A música acabou ela não sabia o que fazer, ele a abraçou. Ele sabia que alguma coisa estava errada, não sabia da onde havia surgido tanta coragem. Ela não estava entendo porque ainda não havia falado uma palavra com ele. Os sentimentos de ambos misturavam-se, eles sentiam-se em harmonia, os corpos juntos, os braços entrelaçados, não foi preciso muitas palavras ou explicações. Soltaram-se, ele gaguejou alguma coisa, um som que não foi possível traduzir, ela puxou seu copo de cima da mesa e tomou um grande gole de cerveja quente.
Da mesma maneira com que eles acabaram dançando os dois foram se distanciando, viraram-se de costas um para o outro, cada um seguiu seu caminho.
Ele até a porta de saída, ela foi até a janela. Ele carregava a certeza que aquela seria a mulher mais importante de sua vida, ela sabia que algumas respostas para suas angustias haviam sido encontradas naquele rapaz.
Nunca mais viram um ao outro.

Ana Ferraz

domingo, 27 de abril de 2008

Uma letra de música que eu fiz, Louco fulano de Tal, mas eu desisti de musicar esse textinho e como diz meu amigo Presley, umas frases desconexas. Dois textinhos que espero agradar.

Louco fulano de Tal
Eu tinha um amigo
Que se parecia comigo
Ele era louco e eu era só um pouco

O louco fulano de tal
Era um profissional
Ah que saudade
Toda tarde ele aparecia
E todo mundo gritava quando ele passava
Lá vai um cara especial!

Louco fulano de tal
Saia toda noite com a galera
Ia beber em todo bar
Hoje já não bebe mais
O louco fulano de tal
É só mais uma pessoa genial
No hospital da capital.

*
Nós

Já não sinto a distância
Mas sinto a saudade.
Estar longe não significa esquecer,
Apenas lembrar mais e mais.
Que a boa companhia não se resume a isso
Ora se não fossemos nós,
Quem faria essas coisas extraordinarias?
Não teria pessoa mais especial em minha vida
Para dividir a alegria de uma noite fria,
Mesmo pela rua vazia
Te encontro em pensamentos
E sobe pra mente toda e maldade da nossa gente.
Sobra apenas o amor
Que nasceu junto
E continuará
Porque o que é nosso
Ninguém entenderá jamais.

Ana Ferraz

sábado, 26 de abril de 2008

Uma história Los Hermanica!

Mais um textinho meu, uma história baseada em músicas de uma das bandas que mais gosto Los Hermanos.
Espero que o texto agrade hehehehehehe

Um filme no close pro fim

“Olha aqui eu preciso falar com você, desse jeito não dá mais a gente não consegue se entender, parece que os dois mudaram e não estou conseguindo agüentar essa situação, precisamos conversar, quando você chegar em casa, me liga! Ainda amo você.”
Desligou o telefone, aquela mensagem tinha o deixado meio zonzo, as mãos começaram a suar e sentia que sua garganta estava querendo expelir alguma coisa, não sabia direito se era choro, grito ou se estava passando mal. Aquela sensação durou alguns minutos, sentou-se no sofá e ficou parado sem se mover ou expressar alguma reação em relação a nada, muito menos ao que acabara de ouvir, uma mensagem na secretária eletrônica, forma cruel de descobrir que só amor as vezes não é suficiente.
Passada a sensação inicial, caminhou em direção a geladeira, morava em um conjugado, mas que na verdade era uma sala comercial que seu pai tinha lhe dado de presente de formatura, um futuro escritório de advocacia que acabou virando casa. Abriu a geladeira e havia poucas alternativas, uma jarra com água, uma lata de refrigerante, dois pedaços de pizza velhos, uma garrafa de cerveja, um ovo e um pé de alface. Agarrou a primeira coisa que viu - foi a jarra de água -, encheu um copo e sentou-se novamente no sofá.
Pensou em muitas coisas, contrariando o clichê ele não pensava nos momentos felizes que tinham vivido juntos ou na viagem à Holanda, dois mochileiros em busca de aventura na terra da liberdade para comemorar dois anos de namoro, ele pensava em filmes que havia visto, nas músicas que costuma ouvir e tudo o que ele lembrava era o “Ainda amo você” que soava forte em sua cabeça, realmente o amor é um misto de desejos, sonhos, promessas de paraíso que dividem espaço com dores sem remédios, pranto, depois vira nada, uma lembrança qualquer.
Ele também tinha coisas a dizer a ela, pegou o telefone, disposto a ligar, discou o número da casa dela, sabia que no meio da tarde ela não estaria lá, queria deixar seu recado, ele precisava dizer algumas coisas e não queria resposta imediata, queria ser cruel também.
“Eu acabei de ouvir o seu recado, é realmente temos muitas coisas para resolver, preciso falar também, quero dizer pra ti muitas coisas, coisas que normalmente não se diz não quero me entregar assim, não poderia falar o que quero, pois depois que eu dizer você me terá em suas mãos, mas vejo que esse é o último suspiro que nosso amor pode dar então eu preciso te falar, mas não sei como...”.
Desligou o telefone, não teve coragem de falar, não poderia falar, era complicado para ele, era amor indo embora e isso não é comum, duas pessoas que se amam deveriam se bastar, mas a vida é cruel, muito mais cruel do que ele ou ela poderiam ser. Ele era mais sentimental que ela, por isso não sabia o que fazer, ele precisava dizer todas as coisas que estavam engasgadas em sua garganta, só não sabia como, também tinha medo da reação dela, era difícil despir-se de todo seu orgulho e entregar seus sentimentos para uma mulher, mesmo que ela fosse aquela, a sua mulher.
Duas horas depois o telefone tocou, era ela, disse que precisava encontrar com ele, mas não queria que fosse na casa de nenhum deles. Marcaram então o encontro em um parque da cidade. Ele chegou antes dela, sentou-se em um banco, o céu era estrelado, a brisa da noite era fria, não havia quase ninguém por perto, ele sabia que aquele seria uma conversa definitiva, apenas os dois e o céu estrelado como testemunha. Quinze minutos depois ele a avistou de longe, seus cabelos negros contrastavam com sua pele muito branca, o olhar da moça não era muito diferente do dele, os dois tinham olhares inseguros, duvidosos, sabiam que aquele momento seria crucial para resolver o futuro daquele amor, que ainda queimava, mas que não bastava.
Ela se aproximou, deu um tímido beijo nos lábios do moço, que tremiam e era possível ver sua testa suando, a insegurança era clara na face daquelas duas almas. Eles sentaram-se no banco e nenhum dos dois falou se quer um apalavra, passaram-se muitos minutos e nenhum som poderia ser ouvido. Até que ele colocou o braço em volta dos ombros dela, ela se aproximou e abraçou-o também, ficaram ali abraçados por muito tempo. Eles não sabiam o que estavam fazendo, eles se amavam, mas não davam certo, talvez os três anos de namoro sem nenhuma briga ou pausa não mostrava realmente o que eles viviam, era por isso que eles estavam abalados com aquilo, ela teve a coragem de falar que as coisas não iam bem e ele tinha a coragem de tentar mudar as coisas, mas nenhum era corajoso o bastante pra falar o que estavam sentindo, ali sob o céu estrelado numa noite de brisa fria.
“Eu não sei como falar o que eu preciso, por favor, não fale nada até eu terminar, não quero ser cruel, mas é necessário que eu diga antes que essas palavras me sufoquem. Aquilo que eu temia aconteceu, sofro por saber que nosso amor é pouco para deixarmos juntos, mas eu não sei mais porque em ti eu consigo encontrar o caminho certo de seguir, se saíres da minha vida agora não sei para onde ir, talvez tu não sintas a mesma coisa que eu. Eu te disse que hoje eu me daria pra ti, depois que eu falar tudo o que preciso, me terás em suas mãos e eu tenho medo,você é meu grande amor, te imploro se vais embora vá logo, meu coração não sabe lidar com isso, eu não posso te perder a não ser que tu queiras. Amor não se mede e eu não sei dizer o quanto te amo, mas eu sei que ele não se basta pra gente ser feliz. Se me deixares agora, eu volto, não sei ainda quando, mas eu vou roubar de novo teu coração.”
Ele se entregou a ela de forma que não poderia mais voltar atrás, aquelas palavras penetraram fundo no coração confuso da moça. Ele parou de falar, no mesmo momento ela começou a chorar, um choro tímido, munido de sentimentos. Enquanto ela chorava, ele se enchia de esperanças, aquele choro só podia significar que ela queria ficar com ele. Mas não foi bem assim, ela não falou nada, apenas abraçou mais forte, ele retribuiu a força do abraço com um beijo na testa. “Ainda te amo”, foram as palavras que saíram da boca dela naquele momento, um ainda te amo, baixinho com a voz tremula por causa do choro. Um beijo amoroso e demorado aconteceu. As estrelas testemunhavam aquele momento, era uma conciliação, de um casal que nunca tinha rompido seus laços, onde o amor fluía intenso, mas só amor não era o bastante. Aquele foi o momento auge, ele lembrou dos filmes novamente e era tudo muito parecido com o cinema.
Depois daquela noite, ele não era mais o mesmo, metade dele ela tinha levado, a outra metade prometia um dia se tornar completa, só o amor não foi suficiente.


Ana Ferraz

terça-feira, 22 de abril de 2008

Mais um devaneio!

Mais um texto meu!
Esse foge totalmente do estilo dos outros, mais uma atração do circo (né Rodrigo).

Espero que se divirtam as minhas custas!


O dia em que a cidade parou

Aquele foi um dia diferente, eu não tinha nada para fazer em casa, então resolvi dar uma volta na cidade. Tarde fria, o sol escondido, mas não era nublado, difícil de explicar.
Quando subi a rua da minha casa vi que algo estranho acontecia, os carros parados, os guardinhas e aqueles malditos apitos, buzinas insuportáveis, pessoas stressadas batendo com a cabeça na direção, davam até medo.
Isso era normal em cidades grandes, mas não aqui, uma cidade relativamente pequena onde o trânsito sempre foi tranqüilo e os guardinhas não usavam aqueles apitos desgraçados.
Logo que cheguei à rua principal, aquelas ruas onde grandes empresas lojisticas têm uma filial em cada quarteirão com super ofertas e liquidações tinham várias pessoas correndo entre os carros, as malditas buzinas soavam mais fortes, crianças perdidas dos pais, uma loucura.
Eu que não tava entendendo nada e já estava puto da cara com aquele barulho todo resolvi perguntar para alguém o que estava acontecendo.
Pedi para uma mulher gorda que estava sentada ao lado da carrocinha de pipoca e cheia de sacolas a sua volta.
-Hey senhora, tu sabes o que esta acontecendo nessa cidade?
-Não sei muito bem, as pessoas correndo carros e muito barulho.
Logo vi que ela sabia menos que eu, baita gorda imprestável, aposto que estava ali só porque o dono da carrocinha de pipocas tinha saído junto com os outros para pular em cima dos carros, assim ela podia comer sem pagar.
Resolvi continuar caminhando naquela rua, não tinha uma pessoa normal naquilo tudo, pela primeira vez na vida me senti o ser mais certo da cabeça que existia na Terra..
Virei a esquina e la estava um ônibus trancando a rua, impossível a passagem de algum carro, fiquei só observando, no outro lado da rua tinha uma arvore caída e alguns cachorros correndo loucos atrás do rabo, fiquei observando, como poderiam ser tão burros? Nunca iam conseguir morder o próprio rabo, o certo seria morder o rabo dos outros, mas, assim se igualariam aos humanos que vivem querendo ver o outro se foder.
Mas voltando ao assunto da confusão que a cidade se encontrava, a cada rua era uma surpresa diferente, ninguém conseguia explicar o porquê de tudo aquilo.
Já não sabia mais nada, resolvi voltar para casa. Ascendi um cigarro e voltei pelo mesmo caminho.
O ônibus continuava lá parado, ninguém ia nem voltava só que dessa vez tinha algo diferente, as pessoas que estavam la tinham sumido, parecia que o caos tinha passado, a cada rua que eu voltava o silêncio tomava conta, as ruas ficavam vazias.
Passei pela carrocinha de pipocas e não tinha nem a pipoca nem a gorda, no mínimo ela comeu tudo e foi embora.
Mas e os outros porque tinham sumido?
Na verdade ainda queria saber o que tinha acontecido antes, minha cabeça estava embaralhada demais, já não sabia por que tinha saído de casa.
Desci a rua de casa correndo, admito que estivesse com um pouco de medo, entrei correndo pela porta do prédio, nem sinal de vida naqueles malditos corredores compridos e escuros.Péssimo lugar para alguém viver, mal tinha luz, o sol não entrava direito pelas frestas, as janelas nunca abriam eram emperradas, mas era barato e eu não estava em condições de morar em outro lugar.
Entrei em casa me atirei no sofá, um sofá que tinha comprado em uma loja de moveis usados, liguei o som e fiquei lá fumando e pensando, mas não tinha como explicar a loucura que tinha acabado de ver. Pessoas enlouquecidas, a cidade no caos e simplesmente tudo parou do nada e eu estava sozinho na rua!
Minha cabeça girava, era engraçado demais, sabia que pessoas eram loucas mesmo, mas não ao ponto disso.
TUM...alguém estava batendo na porta.
Olhei pelo olho mágico, era o Carlos meu amigo.
Ele era engraçado, tudo era motivo para ele filosofar, um cara totalmente fora de si, louco, bêbado e seqüelado, mas um grande amigo.
Abri a porta e ele saltou para dentro.
-Você viu? você viu?
-Vi o que?
-As pessoas na rua, o negocio do fim do mundo, todos correndo enlouquecidos?
-Eu vi, mas, não entendi nada. Que historia é essa de fim de mundo?
-Deram na televisão, o fim do mundo esta chegando, eles falaram pra todos saírem de suas casas e aproveitarem seus últimos minutos de vida, não passaremos desta noite.
-Maldita mania de acreditar em historias da TV, será que são todos mais loucos do que eu imaginava?
Fim do mundo, grande merda essa besteira, amanhã iremos todos acordar felizes como se nada tivesse acontecido.
O Carlos estava bêbado, ele sempre estava. Só podia ser coisa de Brasileiro mesmo, acreditar o que os malucos da TV dizem.
Fiquei um tempo ali sentado, Carlos atacava a geladeira atrás de cervejas.
Como poderiam acreditar naquilo, merda de fim do mundo, grande mentira tudo isso, mas se fosse verdade?
Resolvi sair comprar mais cervejas e wisky, se fosse o fim do mundo pelo menos eu morreria bêbado e não teria que acreditar que o homem se tornou tão manipulável ao ponto de se desesperar com toda essa besteira de fim de mundo. Não tinha ninguém na rua, entrei no mercadinho da esquina, peguei tudo o que eu queria e voltei para casa, meu sofá me esperava.
Me acomodei no sofá, bebendo e escutando música, se fosse pra morrer morreria tranqüilo, até que adormeci.
O sol bateu fraco na minha cara, era dia e eu ainda estava vivo, ou melhor, achava que estava, fui ate a janela e vi que a rua estava normal, pessoas andando nas calçadas, carros na rua e nada de ônibus parado no meio da rua.
Por um momento pensei nossa esses burrões ontem se matavam pelo fim do mundo, hoje voltam a se matar pra ter um pão para comer.
Sai na rua atrás de alguém que soubesse me dizer se eu estava vivo ou morto.
As pessoas andavam normais, pegavam ônibus, o transito calmo, os malditos apitos longe da visão dos guardas, um dia normal muito diferente do que tinha visto ontem.
Cheguei perto de um homem com chapéu de palha, roupa bem passada e um perfume insuportável.
-O senhor poderia me dizer o que está acontecendo?
-Nada.
-Mas e a correria de ontem? Aquela confusão toda?
-Não sei o que você esta falando.
Baixei a cabeça e entrei num café próximo da minha rua.
Sentei e pedi um café expresso duplo e forte e tentei pensar sobre toda locuragem que tinha sido o último dia.
Foi só então que eu não entendi mais nada daquela coisa toda, ainda acho que foi tudo fruto da minha imaginação, fiquei ali parado um tempo, tomei um grande gole amargo daquele expresso. Afinal mesmo que não fosse coisa da minha cabeça as pessoas tinham que enfrentar o fim do mundo todos os dias e como eu não fazia nada voltei para casa e passei o resto do dia, bebendo e pensando que minhas alucinações estavam indo longe de mais e o pior é que eu tava começando a curtir isso.
Ana ferraz

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Bar!

Hoje é sexta-feira, aniversário da minha prima querida, dia de tomar cerveja. Então resolvi publicar aqui um continho podre mas de coração que eu fiz, sobre BAR!

*Qualquer semelhança é mera conhecidência!


Aquele Bar
Sentei no banco da praça e fiquei ali parada ouvindo o som dos pássaros, era como se eu pudesse fazer o tempo parar e só escutar a canção da natureza cantada por aves que eu costumava matar a pedradas na minha infância nas ruas de terra vermelha lá pras bandas da terra do Getúlio.
Como pôde acabar dessa maneira, um lugar tão feliz que me aconchegava nos dias de dor e nos dias de amor, é complicado achar um outro igual a esse, normalmente eles são arrumados e exigem certa sofisticação que eu nunca consegui ter, não por não saber o que é isso ou por vir de berço humilde, mas, por não querer isso pra mim, por ter feito a escolha de ser assim menos ligada a essas tendências da moda e de etiqueta, pode parecer bobagem, mas a sociedade muitas vezes exige que mulheres tenham uma preocupação excessiva com essas questões, mas eu não era e continuo não sendo.
Naquele dia eu sofria a dor de perder um amigo querido, amigo assim como eu, sem glamour, mas com uma finesse que atiçava a curiosidade de muita gente elegante que preferia o irmão rico do meu pobre amigo. Quantas histórias desmoronaram junto com aquele prédio, quantas discussões foram enterradas sob os escombros mofados.Eu sentia a perda de uma segunda casa e acho que é por isso que eu não conseguia escutar o barulho das pessoas que atravessavam a praça com suas pastas e mochilas indo e vindo com pressa que não escutavam nada ao seu redor e muitas vezes nem viam os pássaros a sua frente saindo em revoada para não serem pisoteados por aquelas almas apressadas e desatentas que esperavam apenas cumprir seus horários e chegar em casa para tomar um banho e ver a novela. Mas eu, continuava lá encantada pelo som da praça, o som dos pássaros que era acompanhado com o vento que batia nas árvores e que não deixavam a correria alheia atrapalhar minha dor de perder o meu lugar, o meu bar, a minha casa.
Lembro muito bem de paixões que eu vi nascer naquele bar, amigos que eu fiz, amores passageiros que eu revi e histórias fantásticas que muitas vezes eu pensei em viver, enquanto sentava sozinha na mesa mais ao fundo escutando alguma música que embalava meu pensamento pra longe. Ah como era bom, eu ia a Paris andava pelas ruas geladas da cidade luz com muita roupa e sentava em um café e ficava lá bebendo um bom capuccino e baforando a fumaça amarga de um cigarro barato. Até que um garçom me perguntava o que eu queria beber e eu então percebia que ainda estava no bar, pedia minha cerveja, como uma boa cidadã brasileira, e esperava o tempo passar ou algum amigo pedir pra sentar ali na mesa, enquanto o som embalava as noites que terminavam com a mesa cheia de gente, copos, cinzeiros e muita poesia que me faziam voltar no dia seguinte para continuar um papo que ficou pela metade ou conhecer alguém que veio de um lugar totalmente diferente ou ali do bar da outra esquina procurando novas caras, era assim, quase sempre assim, porque nunca uma noite era igual a outra, sempre haviam novas caras, novos assuntos e novas cervejas porque afinal cada noite era um nova noite uma pagina em branco que não poderia ser escrita com as mesmas história da pagina anterior. Essa magia que ele tinha, a facilidade de juntar pessoas diferentes em harmonia que não permitia que houvesse brigas, apenas ríspidas trocas de teorias e algumas vezes de controvérsias, mas nunca em todos esses anos houveram insultos e muito menos agressões, aquele era um lugar de paz, onde todos entravam em busca de crescimento ou as vezes de casamento. E foram tantos os casamentos que passaram por aquele lugar, uns começaram lá dentro, outros acabaram lá fora, mas foram enterrados em alguma mesa em um grande e gelado copo do bar.
Naquele dia era apenas uma montoeira de tijolos e cimentos que me levavam até aquela praça. Acendi um cigarro e fiquei um tempo olhando os escombros do bar de longe, nem os pássaros eu ouvia mais apenas aquela boa e velha nostalgia que me acompanhava naquela tarde de outono. Uma folha caiu sobre meus ombros, foi como se algo tivesse caído dentro de mim, caído num escuro e profundo vazio, a falta de um pedaço de mim que me fazia rir e chorar, agora eram apenas as lembranças daquele lugar que me acompanhavam na tarde fria de um outono cinza que parecia muito com inverno, inverno que me levava a Nova Iorque, Londres, Coimbra, lugares que eu pensava em visitar em várias noites de solidão na mesa ao fundo do bar da rua da praça.
Lembro-me agora da noite em que conheci Regina, uma moça loira de olhos azuis que ofuscavam a sua beleza, e havia muita beleza, só podia ver os olhos daquela moça quando ela entrou pela porta do bar cantarolando em voz alta para quem quisesse ouvir “Eu bebo sim e vou vivendo, tem gente que não bebe e está morrendo”.
Ela sentou no banco ao lado do meu e pediu fogo, fumava uma cigarrilha que cheirava a cereja e bebia um rum barato que me dava até náuseas de pensar em bebê-lo.
Regina era assim como eu, uma solitária moça de quase trinta anos que tinha desistido do amor e vivia transpirando poesia sem destinatário, mas que tinha uma alma linda e muita sabedoria. Trabalhava em uma repartição pública, mas não odiava o que fazia, não sei como ela não se sentia presa naquela sala lotada de papeis e ácaros, em um prédio cinza e cheio de vazamentos que o governo proporcionava aos seus guerreiros funcionários públicos.
Passei a noite conversando com ela, me parecia uma pessoa feliz, talvez eu tenha pensado que era triste e solitária, que desistiu do amor por não ter ninguém para amá-la, mas não era assim, ela era uma moça alta, loira de olhos azuis, com um belo corpo escondido em um vestido longo e um casaco pesado, mas o que mais chamava a atenção nela não era sua elegância ao se vestir muito menos a figura física de uma bela mulher, mas sim o que ela carregava no fundo de seus olhos azuis, tinha uma ternura no olhar que aconchegava quem estava na mira daqueles olhos, uma sensibilidade que poucas pessoas tinham, parecia que ela conseguia ler as expressões do meu corpo ao falar com ela e simplesmente entendia tudo o que eu deixava subentendido, eu sempre gostei das entrelinhas, e ela entendia isso sem que eu precisasse dizer por inteiro o que passava na minha cabeça, eu me perguntava por que uma pessoa assim optou por ser só, já que enquanto conversávamos sobre artes e política social os homens que rodeavam a nossa mesa, bebendo algum destilado forte demais para uns, que tinham que misturar com gelo ou fraco para aqueles que tomavam tudo num gole só sem água, gelo ou refrigerante para amenizar o amargo gosto que queimava a garganta e esquentava o coração frio e também solitário, daqueles homens que de longe não tiravam os olhos de Regina. Não era por falta de opção que ela estava naquela situação que a levava a ser considerada por suas irmãs a tiazona da família, o mistério que rondava aquela mulher era um imenso conglomerado de paixão que submergia numa vontade de liberdade que não a permitia ser diferente do que era e ela era feliz, simplesmente uma pessoa feliz, por conseguir ser ela mesma em toda solidão que ao contrário do que muitas pessoas acham é maravilhoso sentir-se completo na solidão é estar bem consigo mesmo. Mas nem todas as pessoas que passaram por aquelas mesas estavam felizes ou eram tão lindas por dentro e por fora como Regina, o mofo daquelas paredes tinha uma boa porção de sofrimento e dor de amores mal acabados, perdas irreparáveis e muita mágoa guardada que muitas pessoas entravam ali com a intenção de afogar seus fantasmas em copos de bebidas e em porções de comidas gordurosas, eu mesma já tinha entrado no bar para afogar uma briga de família, pois por mais intimista e solitária que eu possa parecer eu tenho família e como todo clã o meu era carregado de amarguras e sentimentos, mas na maioria das vezes eu afogava minhas frustrações naqueles copos suados e cinzeiros lotados, depois ia para casa e ria, ria muito do papel de moça frustrada que eu me colocava.
Mas não só de tristeza e felicidade vive uma sociedade e posso dizer que em um bar você pode retratar a sociedade em que vivemos, porque o bar é uma entidade social que junta muitas pessoas e assim retrata diversas realidades, por isso aquele bar era incrível, pois não se limitava a apenas uma parcela da sociedade, o simples engloba um todo que o sofisticado limita. Começava a anoitecer e eu continuava na praça, as pessoas já não passavam por ali com tanta freqüência e os pássaros já haviam parado de cantar, mas eu continuava ali sem saber para onde ir, já não tinha um destino certo. Levantei e andei em círculos pela praça, a noite já caia e as estrelas me acompanhavam no frio do outono, que mais parecia inverno, o frio me levava trocar a cerveja gelada por um vinho que me fazia companhia nos dias e noites para esquentar.
Sai da praça fui até uma venda que ainda estava aberta, comprei uma garrafa de vinho e fiquei por um tempo perdida sem saber para onde ir, dei meia-volta e segui em direção a praça, sentei no mesmo banco que tinha passado o fim de tarde, abri a garrafa de vinho vagabundo, acendi um cigarro, fumei demais, bebi demais e sorri demais naquela noite, tinham me tirado meu bar mas eu tinha descoberto a paz que é trocar minha solidão pela companhia das estrelas.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Achei esse fragmento perdido entre as minhas coisas, não sei qual era a minha intenção ao escrever isso, mas tá ai alguma coisa deve ter de bom nele!
E caros colegas da psico que lerem isso, não eu não sou suicida!
Essa é uma história de um final feliz, de uma pessoa que quer viver mas sua saúde não deixa mais. Então porque chorar se tudo acaba um dia?!?!!?!?!




Estávamos lá, ela e eu, ao som do meu violão, as lenhas queimavam na lareira, a sinfonia da chuva que caía dava um ar de nostalgia perfeito para o momento.
Buscava encontrar a jovem que um dia fui, amigos que tive, momentos tristes e felizes.
A doce solidão que nos acompanhava fazia eu me sentir triste, mas não era uma tristeza ruim.
Lá estava eu e minha caixa de lembranças, eram fotos, cartas que nunca mandei, outras que recebi, textos, poemas e músicas. Tudo aquilo tinha um significado especial, cada uma daquelas lembranças me faziam ficar horas ali sentada escutando os estalos da lenha queimando, os acordes do violão e o gosto seco do vinho que me acompanhava naquela dança ao passado.
Minha vida tinha realmente valido a pena, cada erro me ensinou até onde eu podia ir e os acertos atiçavam minha vontade de ir além, mas eu sabia que já não havia mais tempo. Estranho eu pensar em tempo, logo eu que nunca me preocupei muito com ele. Não gostava de relógios, não me escandalizava com as rugas e nem com os cabelos brancos que começavam a aparecer, tímidos, entre os fios negros que brotavam em minha cabeça.
Eu estava só esperando que o tempo agisse, que me levasse com ele para algum lugar. Aquele mesmo tempo que me levaria seria o que ampararia meus queridos, os caras das fotos, os donos das palavs que eu escrevi em minhas cartas.
O final estava próximo, era como se as cortinas pudessem se fechar a qualquer momento e eu não tinha mais como mudar o meu roteiro, ele estava fadado ao ultimo ato, que eu sentia ser aquele, das lembranças, das fotos, cartas e da lareira que já ia perdendo força e se apagando, talvez as suas cinzas determinariam o momento exato dos aplausos.
Já não havia mais como mudar e eu sabia disso. Preferi ficar sentada, bebendo o resto do vinho, lendo as cartas que não enviei e pensando em não me arrepender de tudo que eu fiz.


Ana Ferraz

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Primeira experiência em Blog!

Resolvi fazer esse blog porque eu estava sentindo falta de um espaço para poder publicar algumas coisas que eu gosto de escrever, mostrar alguns textos, poemas, letras de música, comentários de filmes que eu gosto!
Então esse espaço está aberto para quem quiser ler e comentar, façam bom proveito dele e espero que gostem dos meus pequenos deletérios!

Para a estréia convidei um cara que tem uma obra que eu adimiro, um poeta louco, um pouco de Paulo Leminski.

Desencontrários


Mandei a palavra rimar,
ela não me obedeceu.
Falou em mar, em céu, em rosa,
em grego, em silêncio, em prosa.
Parecia fora de si,
a sílaba silenciosa.

Mandei a frase sonhar,
e ela se foi num labirinto.
fazer poesias, eu sinto, apenas isso
Dar ordens a um exército,
para conquistar um império extinto.