domingo, 11 de maio de 2008

Pode ser eu!?

Manhãs como essa, são as que me fazem feliz. Acordar, andar até a janela e ficar olhando para fora, sem conseguir enxergar muita coisa por causa da neblina, a fumaça do café quente e sem açúcar me lembram que nem tudo é doce e nem todo amargo é ruim. Não sei bem quando começou esse vicio de acordar cedo nos dias frios, os melhores para ficar na cama dormindo até tarde, encher uma caneca de café forte sem açúcar e caminhar até a janela, olhar para fora, sem rumo, sem enxergar muita coisa, a noite se despedindo e o dia timidamente aparecendo. Já faço isso há alguns meses, o frio insiste em aparecer poraqui na maior parte do ano, o que me deixa feliz, pois posso fazer esse ritual todos os dias. O gosto do café amargo me anima como sempre depois do terceiro gole vou até a vitrola da sala e escolho um disco, acho que só o disco que não se repete com muita freqüência..
Hoje o dia amanheceu nublado, o céu cinza, o café quente, o disco rodando, tudo como sempre. Mas não me sinto muito feliz, a sensação de satisfação matinal não é o que estou sentindo agora, queria ter ficado na cama, dormir até tarde, acordar na hora de sair para o trabalho, tomar um banho, procurar um táxi e não achar nenhum, ficar esperando o metrô e chegar atrasado no escritório, como pessoas normais fazem.
O problema é que não trabalho em um escritório, tenho meu carro, mas prefiro andar de bicicleta e o pior de tudo, não tenho um chefe, muito menos um emprego. Eu vivo em uma cidade agitada, ando pelas ruas fotografando lugares, pessoas, paisagens. Quando preciso de dinheiro vendo algumas fotos, mas não gosto muito disso. Vejo muita gente, mas não me relaciono bem com as pessoas, dizem porai que sou anti-social ou coisa assim, mas as pessoas também não se relacionam muito bem comigo. Tenho uma relação estranha com o mundo externo, por isso prefiro ficar aqui dentro, entre discos, fotografias, xícaras de café, livros e muitas folhas de papel jogadas pelos cantos. Gosto de escrever, mas nunca mostro pra ninguém, tem uma moça que vem aqui toda a semana fazer a faxina, eu falo bastante com ela, porque ela fala comigo.
O dia nasceu diferente, eu sei que alguma coisa aconteceu, sinto que hoje vou ter que falar com muita gente, isso está começando a me amedrontar, não sei o que fazer quando as pessoas falam comigo, todos me acham estranho demais. Daqui duas horas vou sair com a minha máquina para fotografar, hoje vou caminhando, estou cansado para pedalar, não tive uma noite muito boa, quase não preguei os olhos.
Bateram na porta agora, vieram me avisar que a moça que trabalha aqui morreu. Eu sabia que tinha um clima diferente no ar. Odeio velórios, vou ter que usar terno preto, o cemitério é muito longe não vou poder ir de bicicleta, meu carro está tapado de poeira e eu estou triste.
Acabei de voltar do velório, coitada da moça foi brutalmente assassinada, uma morte horrível. Tive que trocar algumas palavras com alguns vizinhos que também pagavam a moça para limpar suas casas, a maioria apenas me conhecia de vista, acho que só troquei comprimentos com alguns deles no elevador.
Mais uma xícara de café, ainda mais amargo. Vi muitos policiais no cemitério, um deles seguiu meu carro até aqui. Estou escutando um disco, sentado na janela apreciando a bela vista da cidade, sinto que a qualquer momento alguém vai bater na porta. Continuo triste, a única pessoa que falava comigo morreu e acho que o suspeito sou eu.
Ana Ferraz

Um comentário:

Unknown disse...

E ai!!! Bah sinto muito pela sua perda!!! e espero que os policiais não te incomodem nesta hora dificil!!!


Eduardo Friederichs Hoffmann