quinta-feira, 26 de junho de 2008

Um texto diferente.


Aqueles olhos azuis


"Ouse, ouse tudo! Seja na vida o que você é, aconteça o que acontecer.Não defenda nenhum princípio, mas algo de bem mais maravilhoso:algo que está em nós e que queima como o fogo da vida!!"


Tu me olhavas com olhos de fogo. Parecia que eu podia ver as chamas me consumindo dentro daqueles doces olhos azuis. Toda vez que falava nela eu sentia as faíscas tornando-se chama, sabia que era ela que tu querias queimar.
Todas as noites eu fechava a janela da sala, era uma maneira de abafar o som que vinha da rua. Nunca gostei dos sons da noite da cidade, os gemidos das almas que vagam sem rumo pelos becos e bares, discutindo, amando e chorando pelas calçadas imundas. Eu me sentia imunda suja com todos os sons e pedidos de socorro que vinham por aquela janela e eu mesma precisava de ajuda. Mas eu ficava lá olhando o fogo me consumir no interior dos teus olhos sem que eu pudesse sentir que também alguma coisa em mim parecia queimar.
Foram muitos anos vividos sem sentir que ela também me atingia e que meus olhos também queimavam quando tínhamos variados devaneios que sempre acabavam no mesmo assunto. O que de tão especial ela tem que nos fazia queimar por dentro, sem que pudéssemos admitir que ela mexia conosco. A cada dia que passava falávamos mais claramente sobre ela, o significado dela entre nós e o silêncio tomava uma proporção que já não podíamos controlar, apenas ficávamos ali sentados refletindo sem percebermos o tempo, que passava acelerado por nós.
Você sempre falava que era como magia, que não tinha como explica-la, não havia teoria que pudesse fazer com que entendêssemos a razão dela nos fazer queimar, sem dor, talvez fosse mesmo uma espécie de mágica ou sonhos grandes demais, talvez até epifanias impossíveis de se fazerem reais. Repetíamos sempre que o mais importante era fazermos dela o que nos fizesse sentir bem, queríamos sugá-la para dentro de nós.Consumi-la com nossas chamas. Precisávamos sentir o ardor, para nos sentirmos vivos.
Mas alguma coisa aconteceu, não conseguíamos sair do mesmo lugar, os sonhos só aumentavam. O tempo passou, hoje o carvão ainda tem brasa, mas está se transformando em cinzas. Deixamos o fogo apagar, a brasa nos lembra que ela ainda está queimando em nós só que já não conseguimos suga-la para o nosso interior, talvez tenhamos relaxado e desistido de alimentar o fogo. Entre magias e encontros, o que vemos hoje são apenas cinzas e desencontros, que são embalados pelos sons que vem da rua, agora bem mais carregados de dor.
Ela passou sem que percebêssemos o que estávamos fazendo com ela, que já não aparecia nos nossos papos, não ficava mais entre nós. As chamas em seus olhos não me queimam mais e eu sabia que ousamos pouco, choramos pouco e deixamo-la escapar.

Ana Ferraz

Nenhum comentário: